sábado, 25 de agosto de 2012

Capitulo do livro Consciencia Capoeiristica



SABEDORIA


Ora, desde quando um sábio se julgou que o era? Se alguem se julga sábio, mostra que não o é, pois uma das tonalidades excelsas do sábio, é “desconhecer a si mesmo” como a cúpula da sabedoria para tentar conhecer o não conhecido, já que serve de ponte para além do que sabe, a fim de saber mais.



        Conta-se que certa vez, Pitágoras (filósofo grego que teria vivido entre 582 e 507 a.C) encontrava-se em conversação com um de seus dicípulos a cerca do homem sábio, e aquele grande filósofo que a Ilha de Samos produziu, teria respondido que ele não era sábio ( do grego = sophos), mas amante ou amigo (philo) da sabedoria (sophia). Definição que levou alguns estudiosos a pensar no filósofo como amigo ou amante da sabedoria, pois quando se coloca philo+sophia, quer dizer exatamente Filosofia. A palavra sabedoria seria entendida nesse contexto, portanto, como o amor ou a estima pelo filosofar, isto é, o desejo pela busca do conhecimento da essência da verdade das coisas, através das próprias coisas.  
        O sábio por isso mesmo, seria alguém descomplicado. Tem sempre uma saída para uma emboscada; uma resposta para uma pergunta; e “um balde de água, para uma tocha que quer lhe queimar.”
        Fala-se, que um sábio encontrou-se com outro e logo lhe indagou: “Eu dou uma moeda para você dizer onde Deus mora.” O sábio que fora questionado, pensou e logo  respondeu: “Pois eu lhe dou duas moedas para você dizer onde Deus não mora.”
        Uma das características do capoeirista que deseja buscar a sabedoria, é reconhecer que ainda não sabe de tudo. Mestre Pastinha dizia que estava todos os dias aprendendo. O mais interessante é que já ouvi Mestre João Pequeno repetir essa fala do seu mestre em relação a si mesmo.
        Essa consciência da impossibilidade de saber de tudo, gera humildade naquele que busca a sabedoria, a fim de continuar buscando a infinidade dos degraus que ele ainda não galgou.
        Aquele que tem sabedoria não se perturba perante as situações complicadas, pois a experiência que já angariou é o seu próprio guia à pontar uma saida. O jogo de cintura, o saber se sobressair das situações complexas ilesamente ou sem ferir os outros e a si mesmo, nem sempre é sorte ou porque o destino não quis, pois embora recebamos mensagens em código da providência divina ou dos seres espirituais que velam por nós, não podemos nos esquecer, que a prudência gera o bom uso do livre-arbítrio e com isto, podemos administrar os momentos difíceis de um modo mais equilibrado.
        Contam que Quintino Cunha, um filósofo e advogado cearense, certa  vez recebeu de presente, uma caixa  cheia de chifres. As pessoas que o conheciam disseram para ele dar uma resposta a altura. Mas Quintino Cunha se utilizou dos seus valores internos – característicos dos homens de sabedoria – e devolveu a caixa cheia de flores; envergonhando, assim, aquele que lhe enviou os chifres. Quando indagaram Quintino Cunha por ele ter presenteado com flores a quem lhe mandou chifres, ele respondeu: “cada um dá o que tem.” Desse modo, se saiu da situação com sabedoria, mostrando quem era e possibilitando novas atitudes naqueles que o observavam.
        Aqueles que se utilizam de maneiras simples para explicar coisas complicadas, demonstram está a caminha da sabedoria. Se comportam de maneira silenciosa, pois “Quem mais conhece, menos alarde faz; quem pouco conhece faz muito estardalhaço.” (Hammed, 1998).
        Na Capoeira, vemos muitos fazerem “ estardalhaços” do pouco que sabem. Fazem um esforço para serem notados ou para se mostrarem entendidos, mas se esquecem de perceberem que o seu saber é relativo, como relativo é tudo que está sobre a terra. Somos finitos, transitórios e em desenvolvimento aqui nessa esfera da vida. Somente Deus é infinito na sua bondade, permanente nas suas obras e perfeito na sua sabedoria.
        “Ter sabedoria consiste em possuir uma leitura de mundo” (Hammed, 1998) que implica desejar ver a essência das coisas e as ultilizar para o bem comum.
        Quando o capoeirista passa a conhecer-se melhor, vê que o que aprendeu ainda não é o suficiente; que “sabe que não sabe” como apregoa a filosofia de Sócrates.
        Quando percebe através da meditação os seus limites, e trabalha para vencer essas barreiras, está, desse modo, interagindo com sua própria evolução.
        Pietro Ubaldi, na sua obra classica, intitulada A Grande Síntese, esclarece: “ Para compreender a essência das coisas, tereis que abrir as portas de vossa alma e estabelecer, pelos caminhos do espírito, essa comunicação interior, entre espírito e espírito.”
        Fazendo esse contato consigo mesmo, o capoeirista penetrará um vasto mundo desconhecido, que hábita dentro de si, e a partir daí, sentirá  nesse clima do conhecimento de si  mesmo, os primeiros lampejos do que vem a ser sabedoria. E, quando sentirmos que não sabemos o que precisamos saber, permanecer na dúvida, é a atitude dos homens prudentes (Kardec, 1996). Ao passo que os imediatistas, aqueles que se julgam sabedores das coisas, se arvoram e na maioria das vezes por atos de inprudência, perdem a oportunidade de aprender o que não sabiam, simplesmente por se julgarem sábios... Ora, desde quando um sábio se julgou que o era? Se alguem se julga sábio, mostra que não o é, pois uma das tonalidades excelsas do sábio, é “desconhecer a si mesmo” como a cúpula da sabedoria para tentar conhecer o não conhecido, já que serve de ponte para além do que sabe, a fim de saber mais. Doutro modo, como poderia alguem julgar tudo saber, se o conhecimento se relativiza na razão mesma do relativo saber humano?
        Saibamos pois, saber que não sabemos o que precisamos saber, e a partir daí, passaremos a saber o quanto falta para que saibamos que falta tanto para saber.
        O capoeirista que disso souber, saberá que sabedoria não é conhecer tudo – pois isso é impossível – mas saber que quanto mais souber, mais saberá que não sabe, assim como pensava Sócrates.