SABEDORIA
Ora, desde quando um sábio se julgou que o era?
Se alguem se julga sábio, mostra que não o é, pois uma das tonalidades excelsas
do sábio, é “desconhecer a si mesmo” como a cúpula da sabedoria para tentar
conhecer o não conhecido, já que serve de ponte para além do que sabe, a fim de
saber mais.
Conta-se que certa vez, Pitágoras
(filósofo grego que teria vivido entre 582 e 507 a.C) encontrava-se em
conversação com um de seus dicípulos a cerca do homem sábio, e aquele grande
filósofo que a Ilha de Samos produziu, teria respondido que ele não era sábio (
do grego = sophos), mas amante ou amigo (philo) da sabedoria (sophia).
Definição que levou alguns estudiosos a pensar no filósofo como amigo ou amante
da sabedoria, pois quando se coloca philo+sophia, quer dizer exatamente Filosofia.
A palavra sabedoria seria entendida nesse contexto, portanto, como o amor ou a estima
pelo filosofar, isto é, o desejo pela busca do conhecimento da essência da
verdade das coisas, através das próprias coisas.
O sábio por isso mesmo, seria alguém descomplicado. Tem sempre uma saída
para uma emboscada; uma resposta para uma pergunta; e “um balde de água, para
uma tocha que quer lhe queimar.”
Fala-se, que um sábio encontrou-se com outro e logo lhe indagou: “Eu dou
uma moeda para você dizer onde Deus mora.” O sábio que fora questionado, pensou
e logo respondeu: “Pois eu lhe dou duas
moedas para você dizer onde Deus não mora.”
Uma das características do capoeirista que deseja buscar a sabedoria, é
reconhecer que ainda não sabe de tudo. Mestre Pastinha dizia que estava todos
os dias aprendendo. O mais interessante é que já ouvi Mestre João Pequeno
repetir essa fala do seu mestre em relação a si mesmo.
Essa consciência da impossibilidade de saber de tudo, gera humildade naquele
que busca a sabedoria, a fim de continuar buscando a infinidade dos degraus que
ele ainda não galgou.
Aquele que tem sabedoria não se perturba perante as situações
complicadas, pois a experiência que já angariou é o seu próprio guia à pontar
uma saida. O jogo de cintura, o saber se sobressair das situações complexas
ilesamente ou sem ferir os outros e a si mesmo, nem sempre é sorte ou porque o
destino não quis, pois embora recebamos mensagens em código da providência
divina ou dos seres espirituais que velam por nós, não podemos nos esquecer,
que a prudência gera o bom uso do livre-arbítrio e com isto, podemos administrar
os momentos difíceis de um modo mais equilibrado.
Contam que Quintino Cunha, um filósofo e advogado cearense, certa vez recebeu de presente, uma caixa cheia de chifres. As pessoas que o conheciam
disseram para ele dar uma resposta a altura. Mas Quintino Cunha se utilizou dos
seus valores internos – característicos dos homens de sabedoria – e devolveu a
caixa cheia de flores; envergonhando, assim, aquele que lhe enviou os chifres.
Quando indagaram Quintino Cunha por ele ter presenteado com flores a quem lhe
mandou chifres, ele respondeu: “cada um dá o que tem.” Desse modo, se saiu da
situação com sabedoria, mostrando quem era e possibilitando novas atitudes
naqueles que o observavam.
Aqueles que se utilizam de maneiras simples para explicar coisas
complicadas, demonstram está a caminha da sabedoria. Se comportam de maneira
silenciosa, pois “Quem mais conhece, menos alarde faz; quem pouco conhece faz
muito estardalhaço.” (Hammed, 1998).
Na Capoeira, vemos muitos fazerem “
estardalhaços” do pouco que sabem. Fazem um esforço para serem notados ou para se
mostrarem entendidos, mas se esquecem de perceberem que o seu saber é relativo,
como relativo é tudo que está sobre a terra. Somos finitos, transitórios e em
desenvolvimento aqui nessa esfera da vida. Somente Deus é infinito na sua
bondade, permanente nas suas obras e perfeito na sua sabedoria.
“Ter sabedoria consiste em
possuir uma leitura de mundo” (Hammed, 1998) que implica desejar ver a essência
das coisas e as ultilizar para o bem comum.
Quando o capoeirista passa a conhecer-se melhor, vê que o que aprendeu
ainda não é o suficiente; que “sabe que não sabe” como apregoa a filosofia de
Sócrates.
Quando percebe através da
meditação os seus limites, e trabalha para vencer essas barreiras, está, desse
modo, interagindo com sua própria evolução.
Pietro Ubaldi, na sua obra classica, intitulada A Grande Síntese, esclarece: “ Para compreender a essência das coisas, tereis que abrir as portas de
vossa alma e estabelecer, pelos caminhos do espírito, essa comunicação
interior, entre espírito e espírito.”
Fazendo esse contato consigo mesmo, o capoeirista penetrará um vasto
mundo desconhecido, que hábita dentro de si, e a partir daí, sentirá nesse clima do conhecimento de si mesmo, os primeiros lampejos do que vem a ser
sabedoria. E, quando sentirmos que não sabemos o que precisamos saber, permanecer na dúvida, é a atitude dos homens
prudentes (Kardec, 1996). Ao passo que os imediatistas, aqueles que se
julgam sabedores das coisas, se arvoram e na maioria das vezes por atos de
inprudência, perdem a oportunidade de aprender o que não sabiam, simplesmente
por se julgarem sábios... Ora, desde quando um sábio se julgou que o era? Se
alguem se julga sábio, mostra que não o é, pois uma das tonalidades excelsas do
sábio, é “desconhecer a si mesmo” como a cúpula da sabedoria para tentar
conhecer o não conhecido, já que serve de ponte para além do que sabe, a fim de
saber mais. Doutro modo, como poderia alguem julgar tudo saber, se o
conhecimento se relativiza na razão mesma do relativo saber humano?
Saibamos pois, saber que não sabemos o que precisamos saber, e a partir
daí, passaremos a saber o quanto falta para que saibamos que falta tanto para
saber.
O capoeirista que disso souber, saberá que sabedoria não é conhecer tudo
– pois isso é impossível – mas saber que quanto mais souber, mais saberá que
não sabe, assim como pensava Sócrates.